Motivos para festejar
Não mais entrou pelos portões verdes do cemitério para visitar seus familiares.
Era o seu aniversário, ontem, 11 de Maio. Uma festa que só ela sabe organizar.
Subimos a Montanha- o Nariz do Mundo. Tudo a preceito. Tudo com requinte, apesar da distância dos grandes centros e da simplicidade do restaurante ...
Porque, da mala do carro, saíram cestas de malvas, castiçais e velas brancas, caixinhas e dedicatórias. Poemas...
E a toalha de xadrez, como pano de fundo, só podia contrastar e reforçar o bom gosto da aniversariante.
Sem querer descrever discursos e presentes, ementa e sorrisos... Um ramo era segurado em suas mãos. Ela observava-o, apontava aquela e aqueloutra- as pétalas-, nomeando o nome das flores. Encantada... São lindas! E sorriu para mim. Talvez, certificando-se se teria sido eu quem o comprara.
Regressámos. Sua mãe a seu lado. Debilitada, apesar da jovialidade que quer demonstrar. São 94 anos já feitos.
De repente, ela diz:- Não avisei o caseiro, este ramo era lindo para deixar aqui. Mas não consigo.
"Aqui", era o cemitério, por onde passávamos no momento.
Desde que o irmão morrera, havia 6 anos, nunca mais lá entrara. Deixou de os visitar. Pai, tia e esse seu irmão.
Prontamente nos oferecemos para levar o ramo de flores ao jazigo onde eles moram. Ela hesitou, a voz embaçou... Mas parou o carro.
Saímos, à pressa, eu e outra amiga, ambas, outrora, amigas de seu irmão. Passámos os portões entreabertos. Ansiosas, procurámos os nomes e os rostos desbotados pelo tempo, e achámos.
Lindos, sem dúvida alguma. Substituímos a água suja do vaso e colocamos o ramo de flores, aquele que a fez sorrir, que a encantou... E que agora se juntou às pessoas mais queridas, que a viram nascer e crescer...
Quando entrámos no carro, ela soluçava, silenciosamente, não queria que sua mãe se apercebesse. -Tão lindos que eles estão, lá nas fotos- dissemos.
Outra amiga, a Maria Luísa dizia-lhe:- Decide-te. Vai lá. Acaba com esse sofrimento...
E elas foram. Eu, a mãe e a outra amiga deixámo-nos ficar.
O carro aquecia, elas demoravam. Saí e fui espreitar... saíam abraçadas, soluçando. Corri de braços abertos. Entrelaçámo-nos e chorámos, alto. Ninguém nos ouvia.
Só o irmão, lá encima, piscava o olho, e sorria, ao seu jeito.
Pelo menos, que a força e a coragem permaneçam, sempre que os queira visitar...