Somos uma família em grande número, e, apesar de um ou outro pensar que não somos grande família, a verdade é que somos uma família de mil e uma memórias e de mil e uma histórias.
E somos de afectos. Uns, vivem-nos à superfície e todos os veem; outros, resguardam-se, mas, os mais atentos, sentem-nos fervilhar; e, ainda, há aqueles que, basta um pequeno aceno, transbordam de boas palavras e bons actos.
Somos irmãos. E daí ramificam sobrinhos, netos, primos.
Os mais novos, principalmente, precisam da magia de Natal. Por isso, todo o esforço é necessário para viver esta época natalícia.
O ano passado, escrevi um texto cheio de estratégias para o ano em que estamos: "Estratégias à minha maneira", disse eu.
Meu Deus! Apesar de ser cuidadosa nos meus desejos, porque já não sou de acreditar em planos a longo prazo, agora, lendo-o, sinto-me ridícula!
Adivinhavam-se e avistavam-se sinais de que algo poderia acontecer... Mas nunca imaginei que seria assim. Tentar comandar a nossa vida: fazendo votos, desejando o que bem lhe apetece no momento, é tudo blá... blá...
Então, no próximo ano, vamos lá ter forças para aceitar o que é natural, não?...
Para morrer não há idade. Quando estamos preocupados com os mais velhos, poderemos receber "um golpe baixo", que nos "sopapa", deixando-nos de rastos.
Convém estar em alerta permanente. Viver cada momento gratificante do nosso dia a dia, ficarmos agradecidos e seremos felizes.
Há dias da semana que nunca mais serão os mesmos. Por exemplo: as terças e as quartas.
Quatro semanas já passaram. Quatro terças e quatro quartas-feiras... Ainda me parece impossível.
Nessa terça-feira, estive toda a tarde no hospital a fazer-lhe companhia. Não arranjava posição e custava-lhe mexer as pernas. Apenas os braços gesticulavam. Estavam longos e suas mãos eram lindas. Deitou-se de lado, tocou minhas mãos, e assim estivemos uns momentos. Beijei-as e acariciei-as. Sorria para ele, fazia de conta que tudo iria ficar bem. Todos os ossos bem visíveis sobressaíam, em relevo, só a camada de pele os cobria, os olhos fundos, mas bonitos e meigos... Pediu lenços de papel e água, com lucidez e bem desenrascado, como sempre fora. Depois, a enfermeira aproximou-se, era jovem, séria e antipática, injectou-o e foi-se, e ele não mais foi o mesmo. Olhar distante, vazio, parecia nem saber que ali estávamos.
Eu não sabia que aqueles momentos de troca de carinho, seriam os últimos.
No dia seguinte, preparava-me para ir ao hospital, de manhã, mas a notícia chegou. Morreu.
Culpei a enfermeira, os médicos. E eu não estive lá, para o ajudar a molhar os lábios, dar-lhe os lenços, mudar-lhe a posição das pernas... Mataram-no, era só o que conseguia dizer.
Há muito tempo, quando eu saí de casa para estudar no 1º. ciclo, ele teria uns 3 anos. Durante quase uma semana, não conseguia dormir e chorava, pois, estava habituado a ser o meu companheiro de quarto. Quando acalmou e aceitou aquela mudança, dizia a meus pais e irmãos que, se eu dormisse com ele até ser grande, me daria umas meias.
Foi difícil ver meu pai partir. Foi difícil ver minha mãe partir. Agora, um dos meus irmãos, dos mais novos, o que cuidou de minha mãe, devido à doença de alzheimer, até ao último momento, está ser a fase mais difícil da minha vida. Eu sei que tudo acaba, mas por favor, fazei-me mais capaz, mais preparada para enfrentar estes momentos.
Uma parte da obra maravilhosa que nos foi emprestada. E que tanto temos descuidado. A floresta, o mar, a água potável...
Os incêndios. Os plásticos no mar. Os pesticidas... Todos somos culpados.
Todos morremos. Uns, com grande tristeza, apanhados, assim, de repente. Outros, aos poucos, vão deixando contagiar-se, devido à inércia, ou à falta de sabedoria, ignorância, ou porque "deixam para lá"...
"Onde há fumo, há fogo". Os sinos tocavam e, os que podiam, largavam seus trabalhos e corriam para o local, para ajudar a apagar o início do incêndio, antes que fosse tarde demais.
Agora, no tempo das tecnologias, parece que tudo é mais longe, mais complicado. Desresponsabilizamo-nos. Fechamos olhos, ouvidos, boca e, na hora de apontar o dedo, lá estamos empenhados, usando toda a força e todos os sentidos.
Quando todos cumprirmos nossos deveres e obrigações, cada qual com a sua quota parte, os resultados serão menos ruidosos, mais imediatos, bem sucedidos...
Como um turbilhão de sentimentos me bloqueia e embaraça o fluir de palavras, pois, é difícil aceitar o que todos sabemos ter por certo- a morte. Então, nos meus rascunhos, encontrei este texto de há pouco mais de um mês...
A vida é tão curta que não vale a pena andar a embirrar por tudo e por nada. Ou sim, vale a pena embirrar por tudo e por nada, se estivermos cheios de razão. O importante é não ficar a bater na mesma tecla em demasia.
Há pouco tempo, fiz anos de casada e uma sobrinha do meu marido perguntou-me:- Então, tia, como te sentes ao fim detodos estes anos?!
Espontaneamente, respondo:- Olha, sinto que a pessoa que casou naquele tempo, não era eu. De verdade, não me consigoassociar...
Uma risada geral, pois, estávamos numa festa de família. Não quis dizer mais do que o que dissera. Acontece que comecei a distanciar-me de certas épocas, de alguns acontecimentos. Desde criança até agora, há tempos que passaram a remotos, outros há que habitam em mim por todo o sempre.
Será assim com toda a gente, e terá algum significado?!
Será por muitos dos meus sonhos não se terem concretizado?!
Ou então, confundimo-nos, baralhamo-nos, e não sabemos crescer enquanto andamos por cá?...
Concluo com um pensamento que está gravado numa das paredes de um pequeno barraco, de cimento, perto do mar, e que me obrigou, no tempo de praia a ler, a reler e a refletir a todo o instante: "a imaginação é a vossa maior doença".
E foi aquele entardecer, junto ao mar, que me alertou da proximidade do Outono. Observando o horizonte e, a passos largos, em oração, senti os que partiram. Melhor, visualizei-os... Que saudade, que vontade de os ter do lado de cá, comigo, a assistirem ao espectáculo. Belo! O mar silencioso e de brilho prateado, a doçura nos tons das nuvens, a lua...
Algum dia teriam assistido? Talvez, sim... Os nasceres e pores do sol, no campo, também são mágicos.
Apeteceu-me deixar o mar, e correr para o interior, pegar em meu irmão,( nove anos mais novo que eu), e, antes que fosse tarde, pela última vez, proporcionar-lhe tal visão, como a que eu tive. Como me apetecia... Seria uma das suas vontades? Fiquei sem saber.
Prometo, ainda neste Outono e, depois, em todas as outras estações, sempre, quando voltar ao mar, vou reparar no horizonte, e ver se o encontro. Entre o pai e a mãe, lá, fazendo parte do belo, acima da linha do mar, na doçura dos tons das nuvens, e a lua... Depois do sol posto.
Todos somos natureza. Entramos em modo Outono. É prático, útil, seguro, mais barato, belo... Acontecem coisas boas e más, mas sempre existem em todas as estações.
Remar contra a época é uma grande trabalheira. Por isso, bora lá... Todos somos Outono.
O fim de semana associado ao feriado do dia 25 de Abril resultou em mini-férias, mas entre amigos. Éramos cinco casais.
Instalámo-nos em Vila Nova de Milfontes e daí percorremos e saboreámos cada pedaço da linda Costa Vicentina. Risos e conversas entrelaçados na amizade que une os homens (maridos) já há longa data e que, também, se estendeu até nós, mulheres.
Simplesmente bonito, é o que me apetece dizer...
No regresso ao norte, não poderíamos esquecer os chocos fritos em Setúbal e uma visita por alguns locais desta cidade.
Algum tempo havia passado sem que visitasse o pequeno lugar para onde transferira algumas das suas memórias e, assim, compusera o tal recanto como que de uma emergência se tratasse.
Era véspera do dia dezanove, quer dizer: do dia do pai e do 2.º mês do falecimento de sua mãe.
No pequeno terreiro, rodeado de recantos ajardinados, há restolho espalhado por todos os lados. Atravessou-o em passos largos até um dos lados do retângulo da eira, onde fica a porta de entrada, e poisou os sacos das compras. Porque, afinal, era já hora de fazer o almoço. Depois, dirigiu o olhar para onde havia jardim e caminhou em direção ao muro sobranceiro ao tanque. Aí, imobilizou-se. Seu olhar ficou toldado. As lágrimas teimaram, e quase todo o dia por lá ficaram. As japoneiras, afinal, estavam muito coloridas: brancas, vemelhas, rosas... E ela que pensara que este ano não floririam, as japoneiras. A sua mãe. As japoneiras de casa de seus pais. Seu pai e sua mãe. Agora juntos para sempre. Para sempre.
Debruçou-se sobre elas e, minuciosamente, observou-as. As camélias brancas, tão lindas, bem formadas, pequeninas. Quase que lhes pediu desculpa por não acreditar nelas. As cor de rosa sobrecarregavam a árvore, parecendo-lhe que pediam ajuda para as aliviar. As vermelhas, de tamanho médio, compostas de múltiplas pétalas, também estavam harmoniosamente formadas e distribuídas. Acariciou-as ao de leve. Cortou botões e flores. Limpou-lhe as folhas e esgaravatou a terra junto à raiz.
Que pena! Não há registos fotográficos. Mas tudo se gravou em automático. Com sons e cheiros. Lágrimas. Saudades.
E foi deste modo, o espírito dividido entre o passado e o presente, a esperança e a inquietude, confuso, que vagueou o maior tempo.
Promete não haver descontrolo e libertar-se destes domínios mentais ou conflitos interiores que a ocupam em demasia. E também deseja que todos os descendentes de seus pais tardam a sua partida para o encontro final.