Ela vai indo, esforçando-se e avançando para esquecer o que já esqueceu há muito, mas que a memória sempre a atraiçoa por trazer-lhe à tona alguns dos seus sonhos.
Sabe que outras batalhas se aproximam e que lá estará para empurrar com sua coragem e bravura obstáculos e medos. Não virará as costas a tempestades, renovará sua capacidade de amar e conquistar pequeninos/grandes desafios.
Há muito que sabe que a vida sempre se apresentou fácil para o que não pretendia e de grande luta para o que sempre sonhou.
Também sabe que morrerá na areia, talvez... Não por exaustão de tanto lutar, mas por não encontrar uma brecha por onde passar, pela incerteza da sua capacidade e por que assim o prefere.
Quando os primeiros sinais de Alzheimer surgiram, ela olhava o espelho e interrogava-o: O que está esta velha aqui a fazer? E, olha, está a imitar-me!...
Acontece a qualquer pessoa fazer este tipo de comentáros. Não é necessário estar doente.
Embrenhados em pensamentos e emoções, realizamos as nossas tarefas do dia a dia, com intervalos risonhos, divertidos e também de sonhos. Movemo-nos com a força e a vontade, próprias, enchemo-nos do nosso sentir, e, deste modo, projectamos mil caminhos como que não houvesse idade. À nossa maneira, ao nosso ritmo vamos evoluindo, sempre preocupados em entender quem somos, o que fazemos... Porque o que queremos é, essencialmente, ser felizes.
Quando eu ainda era muito jovem, minha mãe dizia-nos que os espelhos mentiam, que nos enganavam. Talvez ela quisesse desviar nossa atenção. Ai a vaidade! Era um pecado mortal... Hoje acredito que mentem, que nos enganam. E que, felizmente, não somos o que vemos.
Apesar de "sempre haver uma criança ou adolescente em cada um de nós", muitas das vezes, apetece-me perguntar ao espelho:
O que é que esta velha anda a fazer? Quem é que ela quer imitar ou enganar?...
Mulheres com leveza de espírito, entre risos, silêncios, palavras de gratidão, maduras, segundo as leis do homem, subiram à montanha. Nos espaços, entre prados, com casinhas de telha vermelha, fumegando, avistavam-se mais e mais ao longe outras montanhas, outras estradas e castelos de nuvens...
E eu senti e vi a luz a acariciar, apesar do frio e das sombras que me inundavam.
Aqueles momentos que, por vezes, acontecem em qualquer idade, que sugerem que tu voes... Isso, aí, nunca irá acontecer. A falta de asas é uma realidade... Resta obedecer.